Ezequiel, o jurista

Para quem ainda não leu a justificativa presente no texto original de 1993 da PEC a respeito da redução da maioridade penal, ela está aqui no Diário do Congresso Nacional nas páginas 11 e 12.

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A  justificativa está baseada em trechos do Antigo Testamento. Sim. Aparentemente o profeta Ezequiel não estabeleceu a maioridade penal para a condenação da alma (no famoso caso Ezequiel contra Lúcifer, séc. VI aC), o que claramente nos dá jurisprudência para pensar a lei no século XXI.

Se você leu o texto de autoria do deputado Benedito Domingos do PP e não jogou seu computador contra a parede, segue aqui a notícia no Portal Fórum.

Em caso de aprovação da medida, creio que teremos que lidar com algumas questões legais num futuro próximo, por exemplo:

– Onde serão realizados os apedrejamentos? Mulheres também poderão participar?

–  Os sacrifícios de animais em praça pública serão fiscalizados?

– Como estabelecer o preço dos escravos após as guerras?

– Os homossexuais serão mortos ou torturados e mortos?

E você aí, achando que teocracias não favorecem o debate público.

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Amor de verdade

Oi?

(Nas ruas de Campinas) Se a foto gigante da moça no pneu não é o suficiente, o adesivo ali diz “Eu amo Laura Pausini”. Quanto amor, gente.

IMG_20150324_131927480E os anos 90 seguem firmes por aqui.

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70 anos de “A Revolução dos Bichos” de George Orwell

Setenta anos atrás o autoritarismo da União Soviética ganhava uma de suas críticas mais singelas, impactantes e famosas. E ela não veio de algum capitalista liberal defensor do american way of life e da obesidade mórbida. Tampouco veio de algum trotskista ressentido com o stalinismo e um exílio sem vodka.

Em um mundo que iniciava a divisão da Guerra Fria e os simplismos ideológicos do mundo bipolar, a crítica foi feita por alguém que se recusava escolher entre um caminho ruim e outro pior. Um homem de esquerda, de difícil definição entre as correntes socialistas e anarquistas, George Orwell era, antes de tudo, um livre pensador (pleonasmo?) cujo compromisso era antes com a liberdade e a igualdade do que com concessões ditas necessárias à revolução ou ao partido.

A Revolução dos Bichos – em inglês Animal Farm – parte de uma metáfora quase simplória: animais em uma fazenda que decidem acabar com a opressão humana, representada pelo fazendeiro. Os porcos, que lideraram a revolução, assumem o poder e aos poucos ficam cada vez mais parecidos com os humanos: a opressão humana foi trocada pela suína. Aos poucos, a luta pela igualdade se transformou em um disfarce para a construção de uma sociedade desigual. No lema suíno-soviético do livro: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.

O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário.

Escrevo esse post porque me dei conta que muita gente lê a obra de Orwell como um libelo anticomunista, mais do que antissoviético ou anti-stalinista.

Bandeira do animalismo proposta por Orwell.

Fiquei pensando se a causa desse problema não estaria em parte na tradução do título para o português brasileiro. Enquanto o título em inglês, literalmente “Fazenda dos Animais” ou “Quinta dos Animais” como em Portugal, remete à sociedade organizada pelos porcos, o nosso título em português coloca a ênfase na “Revolução” anterior àquela reorganização. Em outros termos, tenho a impressão de que o título original faz pensar mais diretamente sobre a União Soviética e o stalinismo ao passo que a versão brasileira coloca a Revolução, seus ideais e a ditadura de Stálin no mesmo balaio.

Não sei se a outra parte do problema tem a ver com a tal da “morte do autor”  – e ninguém está lá muito interessado em saber que Eric Arthur Blair (Orwell é pseudônimo) lutou pela República Socialista na Espanha – ou se é só boçalidade e desejo pretensioso de jogar uma citação literária entre um  “vai pra Cuba!” e outro. 

Para estes leitores é preciso reforçar este ponto: o problema enfrentado pelos animais do conto de Orwell é que os porcos se comportam como o fazendeiro. Mas isso não significa que os porcos sejam piores que os humanos nem que o fazendeiro seja legal, pelo contrário, a maior crítica que se pode fazer aos porcos é exatamente essa: eles querem ser o fazendeiro, querem ser humanos.

A Revolução dos Bichos, portanto, não termina por dizer simplesmente que a União Soviética era desigual e injusta, mas que, apesar de seu discurso, ela reproduzia as mesmas desigualdades e injustiças presentes no mundo ocidental capitalista. Orwell é crítico do stalinismo porque vê nele a reprodução e manutenção dos problemas do mundo capitalista. Pau que dá em Josef dá em Joe.

50 tons de vermelho

Vale a pena ler a obra de Orwell sempre, mas ainda mais em uma época em que o binarismo parece retomar o debate político. Em um país em que a discussão dificilmente escapa da divisão das opiniões entre “coxinhas” e “petralhas” é importante recordar que é possível pensar e militar sem estar alinhado, assim como é legítimo afirmar que o apoio não depende de concessões irrestritas e uma base acrítica.

Ao mesmo tempo, nesses tempos de paranoia com uma espécie de ameaça comunista no Brasil, é preciso lembrar que ser de “esquerda” pode significar muitas coisas diferentes, como Orwell e Stálin (ou Gandhi e Mao) nos mostram.

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Novos Mandamentos #1

Moisés, com aquela preguicinha que um maná pós caminhada sempre dá, achou melhor descer da montanha apenas com os dez primeiros mandamentos… afinal, aquelas tábuas pesavam uma barbaridade.

Mas Deus, que sabidamente é brasileiro, obviamente não se contentaria com apenas dez leis. E estava tudo ali, selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado… preto no cinza, proibindo até o que já era proibido.

Graças a Deus, literalmente, outros mandamentos foram compilados no livro apócrifo de Lorotias, encontrado juntamente com os Manuscritos do Mar Morto e em algumas páginas dispersas do diário do Niemeyer.

Nós aqui do Crônicas, populares teólogos de botequim que somos, resolvemos disponibilizar semanalmente algumas das leis divinas ignoradas até então:

Mandamentos adicionais #1

# 6 – Retificação: não matarás, mesmo que acredite que o próximo seja mendigo, prostituta ou homossexual.

#7 – Retificação: Art. 1º: livros emprestados e não devolvidos aos amigos a mais de um ano serão considerados roubo.

#132 –  Amarás o ouvido do teu vizinho.

#556 – Darás seta.

#234 – Guardarás o controle remoto em lugar visível.

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Lula lá… fora.

Ok, isso tem lá sua graça.

Durante as manifestações daquele outro domingo, li um colega que dizia que “em qualquer país do mundo criminosos como o Lula estariam na cadeia”. Nada de novo, na verdade.  Quase todo dia ouço ou leio alguém que diz se envergonhar pela reputação do Brasil no mundo. E, nesse caso, a vergonha de ser brasileiro pode estar concentrada em alguém que represente essa nacionalidade… como Lula.

“O Brasil não é um país sério”

E eu até entendo esse sentimento, essa nossa autoestima nacional, filha do meio, mal-nutrida e que apanhava na escola.  “Síndrome de vira-lata”, como definiu Nelson Rodrigues. Eu, que me sentia vacinado contra esse comportamento, fiquei intrigado ao ver o Brasil sendo citado como exemplo a ser seguido quando acompanhei as eleições de 2010 no México – o que rendeu esse artigo na Caros Amigos.

Quando vi manchetes como essa, realmente estranhei.

mangabeira

A gente nasce, cresce, se reproduz, se decepciona com os filhos e morre acreditando que “o Brasil não é um país sério”, na frase atribuída ao General De Gaulle. E dá muito trabalho entender que, apesar de todos os nossos problemas, não somos os únicos nessa situação – e talvez, olha que beleza, existam lugares com problemas piores por aí. De Gaulle, inclusive, nunca disse a tal frase. Mas a nossa vontade de achincalhar o país é maior que a realidade e a gente cita mesmo assim. Ou, na versão mais popular, repete “só no Brasil!” para coisas que definitivamente não acontecem só no Brasil.

E como é mais fácil acreditar no que a gente quer do que procurar informação de verdade, muita gente acaba caindo em qualquer conto, em todo tipo de hoax e capa de revista falsa compartilhada na internet.

Essa capa acima se tornou tão popular que a própria Forbes publicou um artigo desmentindo o hoax.  E, claro, esse é apenas um de vários exemplos: tem a história da mansão do filho do Lula (que é a Esalq!!), da Friboi, da Interpol e por aí vai.  Em resumo: tem muita gente bem intencionada repetindo informação falsa na hora de debater política.

O que mais me chama a atenção nisso tudo é a necessidade de inventar notícias para criticar um personagem e um governo que possuem tantos aspectos para serem criticados no mundo real, e, em especial, a necessidade de fazê-lo em inglês. Ou seja, atacar com mentiras e a partir do complexo de vira-latas que nos faz acreditar que somos um motivo de vergonha para o mundo.

Correndo o risco de ser chamado de petralha, separei 6 notícias reais para tratar nossa síndrome e repensar a opinião internacional a respeito de Lula:

Lula lá…fora

1) Ex-Primeiro Ministro espanhol, Jorge Zapatero, em lista das 100 personalidades mundiais mais importantes de 2010 do jornal El País.

Lula

” Enfim, o mundo se deu conta de que o Brasil é muitíssimo mais do que carnaval, futebol e praias. É um dos países emergentes que conta com uma democracia consolidada, e está sendo chamado a desempenhar nas décadas seguintes uma crescente liderança política e econômica no mundo, tal como já vem fazendo na América Latina com notável acerto”

2) Lula na lista das personalidades mais importantes da Revista Time

Lula 2

E aqui há uma lição para o resto de nós: a grande ironia da presidência de Lula — eleito para um segundo mandato em 2006 e vai servir até o fim do ano — é de que quando ele tenta colocar o Brasil no Primeiro Mundo com programas sociais como o Fome Zero, planejado para acabar com a fome, e com planos para melhorar a educação disponível para os trabalhadores do Brasil, faz os Estados Unidos parecerem cada vez mais um país do velho Terceiro Mundo.”

3) Em 2013 Lula se tornou colunista mensal do NY Times:

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Bem, é isso.

4) Obama:

Quando Barack Obama, na ressaca do pop “Yes, we can” afirmou em tom informal que Lula era “o cara” e “o político mais popular do planeta”, muita gente travou. Precisou ser reiniciada e formatada e nem isso deu jeito.  Muitos afirmaram que havia sido uma ironia, uma tirada do presidente americano. Para esses internautas furiosos,  com “o cara” Obama quis dizer “seu petralha safado” e, com “o político mais popular do planeta” quis dizer “seu petralha safado”. E quando olhou para Lula, seu olhar também significava “seu petralha safado”.

Claro que toda afirmação está sujeita a interpretação, mas há um número limitado de interpretações possíveis. E em 2010, com 87% de aprovação, Lula era, de fato, o governante mais popular do planeta.

5) Primeiro-ministro sueco: “Lula é a minha maior inspiração”

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Meu sueco anda meio enferrujado, então não consegui fuçar na imprensa local. Mas, segundo consta no link acima da Época Negócios, Stefan Löfven é chamado por aquelas terras de Lula do Norte e gosta muito da ideia.

6) Busto de Lula na Casa Branca

Lula 3

Essa também é do ano passado. Uma série de bustos expostos no jardim da Casa Branca em homenagem a figuras históricas: Lincoln, Martí, Bolívar, Tupac Amaru e… Lula. O único personagem vivo homenageado. Único brasileiro homenageado também.

“Lula cachaceiro…”

Não estou aqui para santificar o ex-presidente – afinal, tanta gente já tentou fazê-lo – e é evidente que também existem críticas na imprensa internacional. Mas tentar reduzir uma figura com a importância histórica de Lula simplesmente a sinônimo de corrupção, vergonha mundial ou a uma espécie de Maluf alcoólatra, não dá.

Eu entendo que a aversão à figura de Lula possui diversos lados: há aqueles que se sentiram traídos pelas políticas do presidente após anos de militância política. Escândalos como o Mensalão favoreceram esse sentimento entre ex-petistas como eu que acreditavam que o partido possuía o monopólio da ética na política. Existem as críticas neoliberais e neocons adotadas por grande parte dos jornalistas, economistas e partidários do PSDB.

Esse post é para um outro grupo, aquele que não tem críticas fundamentadas além do grito de ódio “Lula cachaceiro” ou ainda está combatendo os comunistas imaginários, como os leitores do geocêntrico Olavo de Carvalho. Em resumo, para parte da sociedade brasileira que simplesmente não quer entender que Lula é visto mundialmente como uma das grandes lideranças do século XXI. Goste ou não da figura, ele é uma referência mundial.

Um pouco mais que um simples cachaceiro, como eu.

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Resenha: Even dwarfs started small

por Kleber Amancio

Trata-se de uma película que busca a essência das revoluções. Um elogio ao anarquismo. Intento pretensioso, supostamente; todavia, sua correção narrativa brandeia o fardo. Herzog opta por um universo mítico; uma civilização composta, exclusivamente, por anões que têm seus dias de normalidade findos a partir da reação de seus habitantes a um episódio visivelmente corriqueiro e barato: a prisão de um homem comum.

A primeira cena é uma tomada de um dos habitantes sendo submetido a um interrogatório. Está sendo devidamente catalogado. Recebe um número, gravado numa placa de metal, e exibe-o, sob as ordens de um agente do órgão repressivo. Não o vemos, tão somente temos acesso a suas imperativas sentenças e a seu campo de visão. Já o rapaz que é “fichado” reage mecanicamente as suas ordens, elíngue. As tomadas gerais são posicionadas de cima pra baixo, guardando uma distancia entre o narrador/espectador e suas personagens. É um mundo que, aos nossos olhos, não é adequado a esses sujeitos. Situações as mais banais como subir às camas, ou mesmo descer de um carro, diferentemente do que podia supor-se, não são compatíveis com sua altura. Eles têm ciência disso (posto que enfrentem quotidianamente essas dificuldades), contudo, não é algo que os embarace, tamanha introjeção em suas ordinárias rotinas. Ao menos num primeiro momento, antes que a vanguarda inicie o reboliço que impulsiona o filme.

Seu grande incômodo está com a ordem das coisas. Há dois tempos distintos. O tempo dos revolucionários e o tempo do agente repressivo. São incongruentes. A barreira física que os separa metaforiza essa situação. A loucura que acomete o agente estatal ,quando este se da conta que, efetivamente, o mundo que antes conhecia deixou de existir, é seu sintoma.  A narrativa vai num crescente. Desde o ataque físico ao opressor, passando pela reordenação das tarefas, das relações entre os membros desse pequeno simulacro de civilização, à subversão dos símbolos religiosos e, por fim, dos sentidos: caem todos os controles; é o desprendimento total. A partir daí altera-se não apenas as relações sociais, mas a maneira como os indivíduos passam a interagir com o ambiente num nível mais profundo.

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As Bruxas da Noite

Nachthexen.  “Bruxas da Noite”. Li pela primeira vez sobre isso outro dia aqui e fiquei encantado.

Era uma vez uma guerra horrível e fascinante, a mais horrível e fascinante de todas.  O exército nazista controlava toda a Europa Central e parecia invencível até a coisa empepinar (em alemão, ensalsichar) no front oriental. Ali, onde a Blitzkrieg parou, surgiu essa interessante história.

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A história da resistência russa na Segunda Guerra e seus 20 milhões de mortos não é novidade. Mas falar sobre a participação direta das mulheres nos combates ainda é raridade.  E, numa época em que as mulheres ainda começavam a votar no Ocidente (na maioria dos países europeus o voto feminino é do pós-guerra, na Suiça é de 1971), as soviéticas formavam batalhões próprios.

Durante a invasão nazista a antiga URSS sofria com falta de aviões e pilotos. Mesmo assim, apenas a pressão das mulheres permitiu sua participação oficial nos combates. Como afirmou Nádia Popova (última das Bruxas da Noite a falecer, em 2013):  “Ninguém nas forças armadas queria dar às mulheres a liberdade de escolher como morrer”. O governo soviético cedeu e passou a pedir pelo rádio a participação de homens e mulheres que possuíssem qualquer experiência e vontade de combater. E muitas mulheres atenderam ao chamado.

O mais famoso regimento feminino, “Bruxas da Noite”, foi responsável por lançar mais de 23.000 toneladas de bombas sobre cabeças nazistas.

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Algumas ainda eram jovens estudantes, outras trabalhadoras. Há relatos até de mulheres grávidas participando dos bombardeios.  Findada a guerra, apesar das condecorações, essa história acabou meio esquecida, guardada naquela gaveta de cima que quase ninguém lembra o que tem dentro.

Se, em geral, a narrativa da história ainda é marcada pelo machismo, a história das guerras era, em especial, um terreno exclusivamente masculino até pouco tempo. Os líderes, os soldados, o bem, o mal e o historiador que conta a história. Só cueca. É importante lembrar de outras histórias não simplesmente para ter uma visão mais complexa do passado, mas para desnaturalizar nossas concepções sobre os papéis de gênero que são sempre históricas.

Para quem quiser ler mais a respeito: em português há a ótima ficha feita pelo Flatout, aqui e, em inglês, uma outra com alguns trechos de entrevistas de Nádia Popova no site do NYTimes. Vale a pena.

Post scriptum: Quando li sobre isso lembrei muito de minha amiga Jubela, que certamente adoraria bombardear uma galera por aí.

Post post scriptum: Se o blog já estivesse na realidade da virtualidade no dia da mulher, teria escrito sobre isso. Passei o dia 08 de março quietinho nas redes, porque andei lendo sobre a coisa do protagonismo feminino na discussão do feminismo e fiquei pensativo. Mas antes tarde do que mais tarde.

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Dalí e o chocolate

Vi isso daqui na exposição do Salvador Dalí que rolou no Instituto Tomie Ohtake ano passado em SP… e finalmente resolvi caçar no youtube. Felizmente, tava lá.

Mudou minha visão sobre o surrealismo pra sempre.

Será que essa marca de chocolate ainda existe? E qual a clientela desses caras (será que a criançada pedia pra mãe comprar o chocolate do Dalí)?

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Janice Theodoro, Dom Quixote e a crítica humanista

Quem perdeu o Café Filosófico de ontem, espere a edição da TV Cultura para uma ótima palestra com a historiadora Janice Theodoro (ou pode caçar a versão online quando estiver disponível aqui)

Alguns (quando vira “muitos”?) anos atrás, quando fiz um curso na pós-graduação da USP com a mesma professora, me reencantei com o conceito de humanismo. Minhas simpatias marxistas me faziam flertar com a ideia, assim como descartá-la logo depois como idealismo juvenil. Em outros termos, humanismo me parecia sinônimo de ingenuidade.

Mas no meio do caminho tinha uma Janice. E o refinamento e a sinceridade da reflexão de Janice Theodoro são de uma sedução impressionantes.

Na palestra de ontem, uma vez mais, a historiadora articulou sua erudição com belas reflexões sobre o presente, que vão de nossa situação política às nossas escolhas cotidianas. O constante questionamento da realidade de Dom Quixote, um sonhador visto muitas vezes apenas como um louco em um mundo ilusório, conduziu a leitura de Janice Theodoro sobre uma época anterior aos Estados Nacionais modernos. Aqui a reflexão sobre a responsabilidade das ações e o discernimento sobre o certo e o errado se dava sobretudo a partir de um exame de consciência pessoal, antes de um código penal. Ou seja, o julgamento sobre o valor e a responsabilidade das ações deveriam partir do indivíduo, antes que o Estado e a lei o fizessem.  Assim, para a professora, Cervantes criou personagens complexos (ou apenas humanos?) capazes de nos permitirem pensar sobre nossos erros, acertos e responsabilidades até os dias de hoje.

(E como todo professor sabem bem, a resposta “não fui eu” é usada por 10 entre 10 alunos que fizeram alguma merda. Cervantes nas escolas já!)

Dom Quixote (Pablo Picasso, 1955). http://en.wikipedia.org/wiki/Don_Quixote_(Picasso)

Importância da dúvida e a humildade intelectual

Cervantes nunca recorria ao clichê”, afirmou Janice em determinado momento. O herói, o vilão – ou, nesse caso, o louco – são personagens fáceis e rasos.  Ela seguiu: “o intelectual chato também”. A gente ri. E ri porque é verdade.

A figura do intelectual que não apresenta nem propõe dúvidas e está sempre seguro é irritantemente comum. Mas a historiadora jamais parece partir de um lugar de poder. Sua fala, muitas vezes entrecortada de dúvidas, expõe a todo momento suas preocupações e uma honestidade intelectual notável. A fala de Janice é um convite à reflexão.

Imagino que para os estudiosos de literatura há grandes riscos em se privilegiar o autor e seus objetivos ao narrador e sua construção literária. Mas a professora assume esse risco em nome das mesmas preocupações humanistas que enxerga em Cervantes: é preciso pensar sobre a realidade presente, sobre nosso difícil convívio, sobre as propostas apresentadas como inevitáveis por governantes e economistas que se autodeclaram realistas e enterram o sonho de um mundo melhor.

É preciso sonhar mais e sem ingenuidade.

Sob o risco de parecer pelego: parabéns ao professor José Alves de Freitas Neto pela curadoria nesse ótimo ciclo de palestras do Café Filosófico.

Pavani

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Chega de internet por hoje

Woody Allen lutando boxe contra um canguru. Sim, é isso.

A cena é de um programa inglês chamado Hippodrome Show, que foi ao ar brevemente em 1966.

A Inglaterra dos anos 1960 deve ter sido um lugar muito maluco de se viver. Não só por Beatles, Stones, Who e  uma cena musical que atraía tudo que havia de interessante, mas porque você poderia se deparar com esse tipo de coisa na TV.   

As esquetes do Monty Python’s Flying Circus (que foi ao ar pela BBC em 1969) ainda hoje são de um absurdo cômico e surreal. Coisas como “A piada mais engraçada do mundo” não são corajosas apenas pelo humor inovador e non sense,  mas porque fazem rir com um passado traumático e muito recente. Imitar Hitler contando uma piada no rádio para uma audiência que majoritariamente tinha vivido os bombardeios nazistas é, no mínimo, polêmico.

Enfim, apesar dos pesares e da falsa nostalgia, daria o mindinho pra ter vivido nesse mundo inglês dos 60s.

(Se você acordou do coma agora e não conhece a esquete do Monty Python, ela está disponível aqui)

Mas é, tadinho do canguru.

Pavani

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